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sábado, 10 de setembro de 2011

Artigo: Educação de Surdos e Formação Docente: angústias e desafios para a prática pedagógica






Educação de Surdos e Formação Docente: angústias e desafios para a prática pedagógica



Carmen Tereza Velanga¹*
Dulcilene Saraiva Reis²*


RESUMO


O presente artigo se propõe a discutir as angústias e os desafios enfrentados pelos professores que atuam com alunos surdos incluídos no ensino regular, bem como a formação docente destes profissionais que não tiveram, em sua formação inicial, a preparação acerca da educação inclusiva e, por conseguinte, da educação de surdos.  A pesquisa, em andamento, tem abordagem metodológica qualitativa, do tipo exploratória e descritiva, realizada em 06 escolas públicas de Ensino Regular e nos cursos de Letras e Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia e de uma Faculdade da Rede Privada, no Município de Porto Velho. Os aportes teóricos fundamentam-se principalmente em Skliar (2010), Oliveira (2008) e Dorziat (2009). Os resultados preliminares demonstram as inquietações dos professores com a inclusão destes alunos com Surdez. A lacuna ainda não preenchida pela falta de formação adequada está, de certa forma, inviabilizando a inclusão destes alunos. Pretendeu-se abordar por princípio as concepções do professor, que tem mais este desafio: ensinar alunos que não ouvem e não falam. Falar de angústias e implicações pedagógicas na educação de surdos é o viés para se falar de formação docente em tempos de inclusão.

Palavras-Chave: Formação Docente - Educação de Surdos - Práticas Pedagógicas Inclusivas

INTRODUÇÃO

A educação de surdos, ao longo da história da educação, tem passado por vários contextos: a exclusão, a segregação, a integração e finalmente, a inclusão.  Segundo Skliar (2010): “as ideias dominantes, nos últimos cem anos, são um claro testemunho do sentido comum segundo o qual os surdos correspondem, se encaixam e se adaptam com naturalidade a um modelo de medicalização da surdez”. Foram vários anos tentando corrigir a surdez, para que o surdo passasse para a condição de normal.
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1 Doutora em Educação: Currículo (PUC/SP), vinculada ao Departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e ao Mestrado em Educação (Campus de Porto Velho/UNIR). Colaboradora no Mestrado em Ciências da Linguagem (Campus de Guajará-Mirim/UNIR).

2  Pedagoga, Especialista em Deficiência Auditiva, aluna do Mestrado em Educação na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Professora de Sala de Recursos na Rede Estadual de Ensino em Porto Velho - Rondônia. Email: lene_reispvh@hotmail.com
           

       É nesse contexto que se encontram muitos professores que, mesmo sem a formação adequada, passaram a atender alunos com Deficiência Auditiva/Surdez. Este mesmo professor que não conhece a Língua Brasileira de Sinais, muito menos como se processa o ensino para os alunos com Surdez.
  A legislação brasileira, bem ampla quando se trata de inclusão, não está sendo sinônimo de qualidade neste processo inclusivo. A grande preocupação no momento é com relação à formação docente, sendo a principal queixa dos professores a falta de formação adequada para atender os alunos surdos.
O objetivo deste estudo¹ é justamente possibilitar a discussão da formação docente, ou a falta desta, para os professores que atendem ou irão atender alunos com Deficiência Auditiva/Surdez. O levantamento de dados ocorre em 06 (seis) Escolas Públicas de Ensino Regular, que atendem alunos surdos, sendo feitas entrevistas com alunos (surdos e ouvintes), professores, coordenação pedagógica, colaboradores, gestores e familiares dos alunos.  As observações do cotidiano escolar, devido à necessidade de contextualizar o espaço e as relações dos sujeitos, fazem parte deste estudo. A pesquisa está sendo realizada também na Universidade Federal de Rondônia e numa Instituição de Ensino Superior da Rede Privada, com coleta de dados ainda não concluída, da Grade Curricular dos Cursos de Pedagogia e Letras. Fundamentam esta pesquisa, entre outros, Skliar (2010), Dorziat (2009) e Oliveira (2008).

PROFESSORES COMO “ESTRANHOS NO NINHO”

A sensação que os professores sentem ao receber alunos com algum tipo de limitação é de um estranhamento generalizado. Atender um aluno com deficiência, especificamente a auditiva, que é o foco dos estudos aqui apresentados, coloca os professores numa situação de estranhos no ninho. É como se, de repente, a sala de aula, antes zona de conforto para o professor, passasse a ser um lugar desconhecido e angustiante. Lugar onde não se tem mais a sensação de segurança, no sentido de saber o que fazer, diante de tantos desafios.
Não se questiona aqui os direitos dos alunos a uma educação de qualidade. O que causa inquietação é justamente a falta de qualidade no processo de inclusão destes alunos. A discussão, por hora pertinente, é sobre que tipo de formação os professores terão a partir da inclusão, uma vez que de todos os professores pesquisados, apenas 30% tiveram algum curso específico para a Deficiência Auditiva, sendo que só os Intérpretes tinham o domínio da LIBRAS.
Dorziat (2009) afirma que não se pode fazer inclusão sem que sejam levadas em consideração a forma de comunicação que os surdos utilizam, que é a Língua de Sinais, a cultura surda e os papeis sociais que desempenham.

Com relação aos alunos surdos, em geral, a recomendação de inclusão tem levado em conta sua forma de comunicação: a língua de sinais. Entretanto, essa fica restrita ao intérprete e ao surdo, desconsidera a interação com o professor e com os demais colegas, a importância das relações humanas, dos processos de formação de identidade e do estabelecimento de conexão entre os conteúdos escolares e as formas particulares (visuais) de apreensão e de construção de conhecimentos. (DORZIAT, 2009, p.2).


Na realização deste estudo, foi observado o cotidiano de algumas escolas que incluíram alunos surdos. Numa destas escolas, o ingresso de um aluno surdo causou grande desconforto aos professores. Nenhum dos profissionais que ali atuavam tinha qualquer conhecimento sobre a educação de surdos. Foi então que a enorme lacuna na formação docente veio à tona.
Nos cursos de Pedagogia, Letras, Geografia, Matemática, enfim, nos cursos de Licenciatura, não existia até pouco tempo, nenhuma disciplina voltada para o atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais.
Incluir alunos surdos no ensino regular é também um grande desafio para os pais. Além do discurso das escolas em dizer que não estão preparadas, e na verdade não estão mesmo, tem ainda a preocupação dos pais por saber que falta preparo profissional dos professores que atuam com seus filhos.
Segundo relatos de alguns pais, a insegurança é notória, pois, embora saibam que é um direito, não se sentem confortáveis em matricular seus filhos numa escola regular. A alegação de que a melhor escola é a que eles estudavam, ou seja, nas Escolas Especiais, demonstra isso.
Tem também os alunos surdos2, que diante desta situação, não aceitam a inclusão como sendo o melhor caminho para a educação dos surdos. Segundo relatos de alguns alunos, a inclusão, contrariando o que se esperava, aumenta a sensação de exclusão.
O fato dos professores não saberem a Língua de Sinais e os alunos surdos dependerem exclusivamente do Intérprete para participar das aulas não o colocam em posição de igualdade perante os alunos ouvintes. Para Dorziat (2009) “quando se trata de inclusão, a valorização da língua de sinais para os surdos é uma das questões essenciais, como possibilidade de igualdade de condições de desenvolvimento entre as pessoas”.
A Língua de Sinais é o elo de ligação entre o aluno surdo e a escola, assim como a Linguagem Oral é para os alunos ouvintes. Skliar (2010) coloca que não deveria existir diferença entre as duas línguas, uma vez que ambas tem a mesma finalidade.

[...] a linguagem deveria ser definida independentemente da modalidade na qual se expressa ou por meio da qual se percebe. Em outras palavras, a linguagem possui uma estrutura subjacente independente da modalidade, seja esta auditivo-oral ou visuogestual. Deste modo, a língua oral e a língua de sinais não constituem oposição, mas sim, canais diferentes para a transmissão e a recepção da capacidade mental da linguagem. (SKLIAR, 2010, p.24)

Percebe-se, então, que não é só o professor que se sente inseguro. Pais e alunos compartilham com os professores desta sensação, como se todos estivessem como “estranhos no ninho”.

POLÍTICAS PÚBLICAS, FORMAÇÃO DOCENTE E INCLUSÃO

O Brasil tem várias leis que regulamentam a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, sendo algumas delas a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei da Libras, entre outras. O Governo Federal institui a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, documento que norteia as ações para a inclusão de pessoas com deficiência, seja ela sensorial, motora, intelectual, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação/altas habilidades.
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 1 A pesquisa que serve de suporte para este artigo intitula-se: “Formação de Professores e a Inclusão de Pessoas com Deficiência Auditiva/Surdez: Um estudo descritivo a partir das escolas inclusivas na Rede Pública do Município de Porto Velho”, orientada pela Profª Drª Carmen Tereza Velanga.

2 Os alunos tem entre 14 e 30 anos e estudam em salas regulares, com a presença de Intérprete.


O Estado de Rondônia recentemente lançou o Plano Estadual de Educação, para o Decênio 2011-2020, onde consta:

A Educação Especial constitui uma modalidade que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Definida como proposta pedagógica que assegura recursos e serviços de atendimento educacional especializado, organizado, para apoiar a educação nas classes comuns, de modo a garantir a escolarização e a promoção do desenvolvimento das potencialidades dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.

De fato, os alunos com necessidades educacionais especiais estão, gradativamente, sendo incluídos no ensino regular. Antes, estes alunos estavam matriculados ou em escolas especiais ou em escolas regulares, mas em salas especiais. No caso dos alunos surdos, a grande incidência era em salas somente para surdos.
Não se tem ainda dados precisos sobre o número de alunos surdos no Estado de Rondônia, pois o Censo Escolar/2008 refere-se aos alunos com necessidades educacionais especiais de forma genérica.

De acordo com o Censo escolar/2008, o Estado de Rondônia possui aproximadamente 3.146 educandos com necessidades educacionais especiais, atendidos em salas comuns das escolas das redes de ensino, escolas especiais, salas bilíngues para surdos, instituições especializadas conveniadas e centros especializados                                                                      (PEE-RO, 2011).

    A Associação de Surdos de Porto Velho – ASPV, em parceria com a Associação de Professores, Parentes, Amigos e Intérpretes dos Surdos de Rondônia – APPIS, no momento estão realizando um levantamento em todo o Estado de Rondônia, para saber quantos alunos surdos existem no Estado e, destes, quantos estão no ensino regular, quantos estão inseridos no mercado de trabalho, entre outros fatos. Esta pesquisa é de suma importância para se ter uma radiografia da situação dos surdos de Rondônia. 
Apesar do direito garantido por lei, permanência não é sinônimo de qualidade. Os dados da pesquisa demonstram ser esta a maior angústia dos professores, o fato de não ter tido a formação necessária para ensinar com qualidade estes alunos.
Segundo as diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2001): “[...] para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área”. Sabe-se que, até pouco tempo, isso não era uma realidade nos cursos de formação inicial, ou seja, na matriz curricular dos cursos de Licenciatura não tinham estes conhecimentos específicos, como a Libras, por exemplo, que hoje é disciplina obrigatória em todos os cursos de Licenciatura, bem como no curso de Fonoaudiologia, conforme a Lei Federal nº 10.436, de 24/04/2002, na qual destaca no seu Artigo 3º:

 A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Entretanto, Dorziat (2009) considera que aprender a LIBRAS, por parte dos professores, é apenas o primeiro passo para promover a inclusão dos alunos surdos, sendo importante também verificar o processo ensino-aprendizagem e a relação dos conteúdos com a cultura surda, pois os surdos estão sendo ensinados tendo como base a cultura ouvinte.
Segundo Oliveira (2009, p. 13):

[...] a presença de aluno surdo em sala de aula regular gera, no professor, um grande conflito interno e uma sensação de incompetência profissional, revelada através dos sentimentos de rejeição, angústia, desprazer e, muitas vezes, de paralisação.

Diante de uma realidade não tão diferente de outros Estados Brasileiros com relação à educação, e mais precisamente, à educação de surdos, estão os professores, ansiosos por uma solução. Pesquisas com o enfoque dado certamente contribuirão para este importante debate.

CONSIDERAÇÕES

No Estado de Rondônia há um déficit considerável de professor, não só nas áreas de Química, Física, Matemática e Inglês, mas também de Intérpretes e professores com formação para atender os alunos com deficiência. Aumenta o número de alunos incluídos, porém, aumenta também a angústia dos professores diante do desafio de educar, com qualidade, alunos surdos. Com tantos contrapontos, este estudo demonstra algumas certezas, outras incertezas e novas indagações, mas, sobretudo, um ponto de partida para futuras intervenções na formação docente.
            Há que se considerar, em primeiro lugar, o direito ao aluno surdo à inclusão. No entanto, esses alunos como protagonistas dessa história, devem ser ouvidos e consideradas suas opiniões acerca de que tipo de inclusão produz a prática docente, quais são as suas reais necessidades e de que forma a escola pública está sendo aparelhada para promovê-la. Nesta discussão, por princípio, o professor que recebe alunos surdos deve ser ouvido atentamente, suas queixas representam o quanto às políticas públicas de inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais, especificamente o surdo, podem estar distante dos dois pólos essenciais dessa questão – o aluno como sujeito de escolhas e de direitos, e o professor – que certamente não se omite de sua participação no processo de inclusão, mas necessita de que a docência que protagoniza seja apoiada, considerando-se seus limites, possibilidades e, de certa forma, trazendo esperanças, por via concreta, de que aluno, professor, intérprete família, se façam realmente parceiros conscientes e transformadores da realidade social na atualidade, quando mais se anunciam oficialmente os “avanços” das políticas de inclusão.


REFERÊNCIAS


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, 1988.

________. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Secretaria de Educação Especial – MEC; SEESP, 2001.

________. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN,  9394/96.

_________. Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

_________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências.

_________. Senado Federal. Lei nº 10.436, de 24/04/2002.

DORZIAT, Ana. Educação de surdos no ensino regular: inclusão ou segregação? Disponível em: www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/...educacao_surdos/texto72.pdf. Acesso em 01/06/2011.

GOVERNO DO ESTADO DE RONDONIA. Plano Estadual de Educação de RondôniaDecênio 2011-2020. Disponível em:  <http://200.140.171.22:8080/sapl_documentos/materia/1635_texto_integral>. Acesso em 02/06/2011.

OLIVEIRA, Luzia de Fátima M. Formação docente na escola inclusiva: diálogo como fio tecedor. Porto Alegre: Mediação, 2009.

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos – São Paulo: Paulinas, 2006.

SKLIAR, Carlos (Org.). Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2010.


Artigo aceito e apresentado no XX EPENN, no dia 26/08/2011, na categoria Comunicação Oral, na Universidade Federal do Amazonas - UFAM


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