Por: Nair Ferreira
Gurgel do Amaral
Universidade Federal de Rondônia
Nem só de café com pão vivem os
que já tiveram a passagem de um trem em suas vidas. Um trem pode levar/trazer
muitas saudades, algumas mágoas, tristezas, tragédias, encontros e despedidas.
Convidamos para esta viagem aqueles que já souberam do trem e aqueles que
querem dele saber. Por isso, chamamos a poesia para o vagão dos convidados e
com a melodia embalando nossa viagem de lembranças e reconhecimento, ouviremos
o canto dos convidados nos dizendo do trem o que sentiu.
Se o trem é caipira, da Central,
do subúrbio; se parte às sete ou às onze, se é o maior, o melhor, o trem bala,
a maria-fumaça ou a locomotiva, pouco importa. Vale mesmo é a viagem pelas
montanhas, atravessando pontes, cruzando matas e florestas - no ar, no rio, no
mar, no Madeira, no Mamoré. Os passageiros também são gado, esperança, minério,
riqueza, cimento, desenvolvimento, borracha, decepção... O destino será sempre
a Estação. Feminina, guarda o dom da espera, do acolhimento e da resignação. A
bagagem é tudo ou é nada, é esperança, grande que só... Fumaça, apito, vagão,
maquinista, fornalha, locomotiva. Louca motiva: colo moco como cova, mova-se
caboclo.
Piuíííííííííí!...
Vixe Maria! Agora sim. Chegou
Bandeira: Bota fogo na fornalha que eu preciso muita força para alcançar o trem
caipira de Villas-Lobo e Gullar. Lá tem menino, vida, ciranda, cidade e a noite
a girar.
O maior trem do mundo é de Drummond. Leva minha
terra para a Alemanha, para o Canadá, para o Japão. Entre encontros e
despedidas, Milton manda notícias do mundo de lá e diz pro Fernando que gosta
de poder partir sem ter planos e poder voltar quando quer.
O trem de Seixas vem surgindo de
trás das montanhas azuis e não precisa passagem nem bagagem para o céu suspenso
no ar. Ói, o trem já é vem no caminho apontado pelas estrelas do cruzeiro que
levam ao pantanal de Sater e faz qualquer coração bater desigual, mostrando que
o medo viaja sobre todos os trilhos da terra. Mas, como quem anda nos trilhos é
trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito, assim, feito
o despropósito de Manoel de Barros que carregava água na peneira ou o delírio
de Fagner que nem pensava que o seu desejo era um trem de ferro, que saá de
Pernambuco e vinha fazendo fuço-fuco até chegar no Ceará.
Não podendo ficar nem mais um
minuto com vocês, peço licença ao Adoniram para partir no trem das onze e
chegar à Madeira-Mamoré. Com quem farei essa viagem? Se é domínio popular,
chamo todos os “bera” que (en) cantam a ferrovia do diabo: beradeiros artistas
vamos na Mad Maria, para o inferno verde, coberto de látex, o ouro transformado
em borracha. No 12!
Trem chegou, trem já vai, de
retalhos, infantis, abacaxi.
Piuíííííííííí!...
Piuíííííííííí!...
Você precisa ver para saber como
é que andava o trem na Madeira-Momoré.
De Santo Antônio para um velho
porto, retoma-se o projeto para atender bolivianos, escoar a borracha, resolver
conflitos. A diversidade se instala na construção da ferrovia e recria o Mito
de Babel na Amazônia. Barbadianos, indianos, coreanos, árabes, turcos, gregos
...
A construção custou o sacrifício de milhares de trabalhadores de diversas
nacionalidades. A lenda diz que cada dormente colocado no leito da ferrovia
representa um operário morto em sua construção. Será lenda? Será fato?
Tem gente que chega pra ficar.
Tem gente que vem e quer voltar. Tem índio, tem flecha, tem mato, tem mosquito,
tem malária e tem cachoeira impedindo o trem de passar. Caripuna quer ficar.
Quando finalmente o trem passou,
a borracha perdeu valor no mercado internacional. Acabou. Parou. Empoeirou.
Enferrujou. Tem gente que veio só olhar o que restou. Não recuperou, o dinheiro
gastou, festejou cem anos. De que mesmo? A borracha apagou. O soldado foi
enganado e o trem parou.
Estação e trem não se amam mais.
O desencontro foi inevitável em Porto Velho, Jacy, Mutum, Abunã, Guajará-Mirim.
Prevaleceu o interesse político e o oportunismo. Recuperar para a memória que
conta a história do povo que um dia quis um trem e viu seu trem ser de ninguém.
Um trem sem vintém que foi para
alguém muito além.
Quem vai chorar, quem vai sorrir
?
Piuíííííííííí!...
Piuíííííííííí!... Piuíííííííííí!...
Texto original publicado no
Jornal Diário da Amazônia, de 07/08/2012, em homenagem aos 100 anos da
Estrada de Ferro Madeira Mamoré, em Porto Velho/RO
Fotos: Google Imagem
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